terça-feira, 20 de novembro de 2018

Senhorita Christina



Mircea Eliade
Editora Tordesilhas

Ano do lançamento 1936.

No ano de 2012 o livro finalmente aporta no Brasil, numa edição capa dura, papel couche e formato 18,8 x 27,4 cm. Traduzido direto do Romeno para o português, por Fernando Kablin e com ilustrações de Santiago Caruso.

O Autor do livro, mais conhecido como historiador das religiões, nasceu em Bucareste, Romênia, no ano de 1907 e faleceu em 1986, em Chicago, Estados Unidos. Formado em filosofia pela Universidade de Bucareste, onde lecionou, foi professore em diversas universidades europeias até a Segunda Guerra Mundial, terminando por se radicar nos Estados Unidos, onde deu aulas na Universidade de Chicago. Escreveu 37 obras ao todo, entre ensaios, romance e teatro.

Por ocasião de sua publicação Senhorita Christina causou alvoroço na sociedade, por ser considerado pornográfico para os padrões da época, o que retardou sua divulgação pelo mundo afora. Nos dias de hoje, poucos ficarão chocados com algumas cenas mais sensuais e picantes do livro. É interessante ver que apesar dos personagens mais clássicos do vampirismo serem normalmente masculinos, o autor decidiu dar este destaque em sua obra a uma mulher.

Senhorita Christina, a personagem principal do romance que carrega seu nome, é uma "strigoi", o qual difere em certos aspectos de um “vampiro”, ao menos da forma como a maioria das pessoas os conhecem hoje, pelo vasto uso desse personagem mítico na literatura.call center No folclore romeno, strigoi são as almas atormentadas dos mortos que saem dos túmulos. Alguns podem ser pessoas vivas com certas propriedades mágicas. Entre as características destes seres, estão a capacidade de transformação num animal, invisibilidade e a tendência para escoar a vitalidade das vítimas através da perda de sangue. Os strigoi são também conhecidos como vampiros imortais.

Conforme  Sorin Alexandrescu (sobrinho de Mircea Eliade e responsável pelo POSFÁCIO do livro) "Senhorita Christina está entre as obras situadas na margem ou nas fissuras da realidade, onde o imaginário ou o mito perturba seus contornos".

Confesso que eu sempre me senti atraída por estórias de vampiros, o que provavelmente tenha se iniciado na infância, com filmes clássicos como Nosferatu e Conde Drácula (ambos inspirados no famoso livro “Drácula” de Bram Stoker). O tema é recorrente no cinema e com o tempo ganhou atenção especial do público jovem no mundo dos livros. Alguns dos filmes mais marcantes na minha adolescência foram Drácula de Bram Stoker e Entrevista com o Vampiro cujos livros que lhes serviram de inspiração vim a ler posteriormente. Desde então os “vampiros” já sofreram muitas mudanças e adaptações, mas francamente, vampiro não tem como ser “bonzinho” não é mesmo? Afinal, não existiria o eterno desafio feminino de redimir uma alma masculina perdida.

Mas vamos ao livro...
A trama de desencadeia num casarão esquecido na planície do Danúbio, onde moram Dona Moscu e suas duas filhas. Sanda, uma jovem mulher de vinte anos e Simina, uma menina diabolicamente adulta para seus 9 anos, cuja beleza tão perfeita beirava a artificialidade, mas não era o principal ingrediente que detinha a atenção dos adultos a sua volta. Sua astúcia e modos impertinentes conseguiam intimidar até mesmo os homens. Dona Moscu estava dando hospedagem para, Ígor, um jovem artista e pintor que em detrimento do seu trabalho, estava empenhado na tarefa de seduzir a doce e reservada Sanda. Alguns dias depois, com a chegada de um segundo hóspede, o arqueólogo e professor Nazarie, Ígor ganha companhia para preencher as horas de insônia com longas conversas regadas com algumas doses de conhaque, onde ambos falam sobre certas estranhices no modo de agir de Dona Moscu. A senhora lhes parece cansada e até mesmo doente no seu comportamento perturbadoramente abstraído. À medida que os dias passam, dona Moscu e Simina se mostram notadamente obcecadas pela falecida irmã de Dona Moscu, Senhorita Christina. Cuja morte, os dois vem a descobrir depois, foi a consequência de um comportamento devasso, que culminou no seu assassinato por um amante enciumado. Durante a estada na fazenda, os dois homens perdem gradativamente a serenidade de espírito, ao serem acometidos por aparições em sonhos e fora deles, o que piora diante do modo de portar-se cada vez mais atípico de suas anfitriãs. Vai se tornando mais difícil discernir a realidade do onírico, principalmente para Ígor, que se vê corrompido pela sedução de uma mulher já morta a aproximadamente 30 anos e cujo perfume de violeta deixa um rastro insistente no quarto, mesmo na presença da luz matutina. Os sonhos ganham um novo sentido naquele lugar isolado e quase morto, como um universo à parte. Enquanto Ígor e Nazirre tentam compreender o que está havendo, tudo no cotidiano da fazenda parece estar se deteriorando juntamente com a saúde da filha mais velha de dona Moscu.  Os animais estão sumindo, em contrapartida as aparições se tornam cada vez mais presentes e palpáveis, confundindo os dois homens, que lutam para tentar salvar a vida de Sanda e manter a sanidade.

Uma ótima leitura.

Trechos do livro, por ocasião do avistamento do quadro de Senhorita Christina.

“Ígor permanecera longe do quadro, esforçava-se em compreender de onde brotava, em seu espírito, tanta melancolia e cansaço diante dessa donzela que o fitava nos olhos, sorrindo-lhe com familiaridade, como se o houvesse escolhido, é só ele dentre todos os presentes, para falar de sua infinita solidão. Uma imensa saudade e muita tristeza pairavam nos olhos da senhorita Chistina. Em vão sorria-lhe com familiaridade, em vão apertava a sombrinha azul; com uma sobrancelha sorrateiramente erguida, ela o convidava a rir do chapéu demasiado grande e ornamentado, que ela, naturalmente, não suportava, mas fora obrigada a usar porque assim exigira sua mãe” [...]


“Os olhos da senhorita Christina luziram mais pérfidos por um instante. Ígor levou a mão à testa. Que estranho cheiro naquele aposento. Não teria sido o quarto dela? Com o rabo do olho, mirou a outra parede. Embora dona Moscu lhe houvesse dito que era um salão, encontrava-se ali, no canto, um imenso leito, branco, com baldaquim. Ergueu mais uma vez o olhar para o retrato. Senhorita Christina acompanhava-lhe os movimentos todos. Ígor era capaz de ler muito bem os olhos; ela o vira notando a cama e não enrubesceu; pelo contrário, continuava fitando-o firme, de certo modo desafiadora. “Sim, este é o meu quarto de donzela e aquela é a minha cama, meu leito virginal”- assim pareciam-lhe falar os olhos da senhorita Christina”.

 “O sr. Nazirre permanecera estupefato desde o momento que deparara com os olhos do retrato”.

“Um cheiro estranho pairava no aposento; não de morto, nem de flores funerárias, mas de juventude interrompida e conservada ali, entre quatro paredes”.

Abraço
Jade

Imagem de Mariana Britto
Sigo andando a passos largos...
...sem rumo e sem destino, apenas observando o que se passa e o que passou, o conhecimento traz prazer mas também traz dor.
Jade

Postagens populares