domingo, 4 de dezembro de 2011

A Divina Comédia (post 01)


Da minha vida em meio do caminho,
Tendo perdido o rumo verdadeiro,
Em uma selva escura dei comigo.
Ah! Como é árduo descrever qual era
Áspera, brava, espessa de tal modo,
Que só a ideia me renova o susto!
Foi tal, que é pouco mais pungente a morte;
Mas por amor do bem aí achado,
Narrarei o que mais por mim foi visto.
Não sei dizer como me entrei por ela;
Pois tão tomado então de sono estava,
Que abandonei a senda em que seguia.
De uma colina eu atingira a base,
Onde o seu termo tinha aquele vale,
Que de terror me confrangera o peito.
Notei, alçando os olhos, que a encosta
Já douravam os raios do planeta,
Que a reta a todos indigita. (indica)
Serenou-se-me um pouco a atroz procela, (agitação)
Que no largo do peito a noite inteira
Angustioso soçobro me causara.
O náufrago depois que a praia ganha,
Arquejando, ofegante volve os olhos,
Os transpostos abismos contemplando.
Assim o meu espirito inda esquivo
Pôs-se a mirar de novo aquele passo
Com vida por ninguém jamais vadeado. (atravessado)
Após breve repouso aos lassos membros,
Recomecei a andar na erma falda (base)
Em plano inferior o pé firmando.
Eis quase no princípio da ladeira
Um tigre velocíssimo e inquieto
De mosqueada pele me aparece. (pintada)
Ele da frente não se me tirava;
E antes a estrada tanto me impedia,
Que em ato estive de saltar por vezes.
Rompia a aurora, o sol se remontava (elevava)
Com toda a comitiva das estrelas,
De que o enriqueceu o amor divino.
Estas belezas, que lançava em giro
A ter por fausto auspício me induziram (feliz presságio)
Daquele monstro a variegada pele: (de cores ou matizes diversos)
Contribuíram a hora, a sazão branda, (quadro favorável)
Mas, em oposição, de medo encheu-me
Logo em seguida de um leão a vista.
Semelhava, que ia acometer-me,
De juba alçada, rabido, faminto, (enfurecido)
Como que até pavor o ar infundindo.
Vinha após loba, a qual pela magreza
De todas as coliças era a efígie,
Tendo já muitos povos flagelado.
O seu aspecto perturbou-me tanto,
Que o terror que olhar seu incutiu-me,
A fé tirou-me de galgar o monte.
Quem pôs, em adquirir o seu cuidado,
Se ocorre ocasião que lhe traz perda,
Tudo lhe são tristezas e lamentos.
Assim me sucedeu, quando avançando
Aos poucos contra mim a fera inquieta,
Fez-me ao vale tornar ao sol oculto.
Enquanto eu labutava neste passo,
Antolhouse-me um vulto, parecendo
Por um longo silêncio enfraquecido. 

Este é o trecho inicial de “A Divina Comédia” de Dante Alighieri, onde o Poeta, perdido em uma selva intrincada e escura, erra nela toda a noite, e saindo da mesma ao amanhecer, começa a subir por uma colina, quando se lhe atravessam uma pantera, um leão e uma loba, que o repelem para a selva. 


Quadro de Sandro Botticelli

Dante Alighieri nasceu em Florença, Itália, em 01 de junho de 1265. Em uma época em que apenas os escritos em latim eram valorizados, redigiu o poema La Divina Commedia (A Divina Comédia), que se tornou a base da língua italiana moderna e culmina a afirmação do modo medieval de entender o mundo. Nasceu e viveu em Florença boa parte de sua vida, até ser exilado. O exílio foi ainda maior do que uma simples separação física de sua terra natal foi abandonado por seus parentes. Não conseguindo reverter sua condenação, Dante foi viver em Paris, onde se dedicou ao estudo da Teologia e Filosofia. Mais tarde, ao retornar à Itália, foi acolhido por Guido Novello de Polenta, que o manteve por muito anos até 14 se setembro de 1321, data de sua morte. O poeta mais representativo da Península Itálica, apesar de lançar mão de um tema medieval, é considerado moderno por ter escrito a Divina Comédia na nova língua, o italiano.


Este é o terceiro livro que comprei na Feira de Livro de Porto Alegre. Depois de muito ver menções ao nome de Dante e de sua obra nos livros que li, resolvi que era hora de enveredar por esta leitura fascinante. Neste primeiro trecho já me convenci de que o tema é atual e se encaixa perfeitamente nas vidas de hoje.

Quem já não se sentiu tão triste ao ponto de pensar que estava no inferno?

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É isto, ler e ler, este é um de meus prazeres.

Bjs
Jade

Imagem de Mariana Britto
Sigo andando a passos largos...
...sem rumo e sem destino, apenas observando o que se passa e o que passou, o conhecimento traz prazer mas também traz dor.
Jade

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