domingo, 8 de janeiro de 2012

Quase Noite

No final das contas, matar minha mãe foi bem fácil. A demência, conforme desponta, tem o poder de revelar o âmago da pessoa afetada. O âmago de mamãe era podre como a água fétida de um vaso de flores mortas. Ela era bela quando meu pai a conheceu e ainda capaz de amar quando eu, filha temporã, nasci. Mas, naquele dia, ao me encarar com seus olhos vidrados, nada disso importava mais. [...] 

Assim inicia o livro “Quase Noite” de Alice Sebold. Chocante para as primeiras linhas de um livro, mas esta é a triste realidade da personagem Helen, que depois de anos de convívio com a mãe doente mental, num ato impensado, dá um fim aquela relação vazia de afeto e cheia de desilusões. Sua mãe, tão bela e orgulhosa na juventude, acabara por demonstrar durante o casamento, toda sua incapacidade mental para lidar com as situações mais simples do cotidiano de qualquer pessoa, como sair de casa para ir até a farmácia ou qualquer outro lugar além de sua calçada. Helen cresce num lar entre uma mãe demente e um pai omisso ou que talvez amasse tanto a esposa que não suportaria interna-la em uma clínica, mas o caso é que este lar desestruturado acaba por criar uma mulher carente e que ao mesmo tempo ama e odeia sua mãe, sem saber mais onde um e outro sentimento iniciam ou terminam. Helen, mãe de duas filhas e separada de seu marido, é uma mulher solitária, que vive à sombra das necessidades de sua mãe, sem conseguir de fato viver a sua própria vida. Após cometer o matricídio, sem saber o que fazer, Helen vive momentos de reflexão, alternando o presente com lembranças do passado, desde quando era pequena e seu pai ainda era vivo.

Não é uma narrativa das mais estimulantes, escrito em primeira pessoa o livro se desenrola da perspectiva de Helen, que depois de tantos anos de um convívio doentio com sua mãe e pai, não poderia ser realmente uma pessoa equilibrada. As idas e vindas do passado acabam confundindo um pouco a leitura, mas ela traz muito de algo que é fato. Não podemos escapar totalmente das consequências de uma família desestruturada.   

[...] Tinha começado a tratar meu corpo como se ele fosse uma máquina, para manter tanto meu emprego quanto minha sanidade. Isso foi piorando à medida que as necessidades físicas de mamãe foram aumentando. Entre nós, tudo era melhor se fosse controlado. Os hábitos eram reconfortantes de uma maneira que o amor não podia ser. [...]

Imagem de Mariana Britto
Sigo andando a passos largos...
...sem rumo e sem destino, apenas observando o que se passa e o que passou, o conhecimento traz prazer mas também traz dor.
Jade

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